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o coração da loucura

- por rubia delorenzo -


“O eletrochoque, Sr. Latremolière, me desespera, me rouba a memória,

entorpece meu pensamento e meu coração. Faz de mim um ausente (que se

sabe ausente e se vê durante semanas à procura de seu ser, como morto à

procura de um vivo que já não é ele, que exige a sua vinda, mas em cuja casa

ele não pode mais entrar)”.

 

Antonin Artaud - Carta enviada a um dos médicos do asilo de Rodez, onde

esteve internado*.

 

Mataram todos os cães

Mataram de tristeza os loucos

Mandaram limpar o chão

O pátio imundo esfregaram

 

Os doutores não suportaram os odores

 

Bichos e homens espumaram

Foram sacudidos por choques

Torcidos pela ação do veneno:

Babaram, suaram, tremeram

Se debateram

Andrajos manchados de líquidos

Baba, suor e urina

 

Os doutores não suportaram os odores

 

Nem o dos corpos, tampouco o das tintas

Surraram os que sofriam

Abraçados a animais agonizantes

Confinaram os rebeldes

Por chutarem, sim, por socarem batentes e portas

Loucos de dor

 

Que contraste! A alvura das camisas dos senhores com os poucos trapos

encardidos do louco pobre, do negro louco, do pobre negro.

Do branco igualmente abandonado.

Sujos, sarnentos, seus dorsos rasgados em sulcos

Tiraram deles, quase tudo

Arrancaram sua pele

Seus dentes poucos

Seus cabelos chamuscaram

Mas apesar das chagas abertas no peito

Apesar do medo da insônia e da morte

Com pigmentos, solventes, as mãos lambuzadas, os pincéis feitos arma

Tingiram os papéis e as telas com a cor rubra do sangue

Escarlate, encarnado, incarnat

Rubra carne na arte

 

Texto originalmente publicado no Boletim Online do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae - S. Paulo


* A perda de si – Cartas de Antonin Artaud


foto: bebê baumgarten

 

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