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johanes

- por ethel feldman -





Johanes não dormiu. Durante meses preparou-se para esse dia. Manteve-se longas horas focado no ponteiro do relógio. Era a noite mais longa de sua vida. Ia fazer 17 anos. Deixava de ser criança, não tinha idade suficiente para ser adulto.

Às quatro, com a respiração apressada e o coração apertado, olhou-se ao espelho. Suado, tirou a roupa molhada. Devagar, passeou sua mão pelo corpo. Fechou os olhos em busca da diferença. Um choro antigo, invadiu o silêncio do seu quarto.

Viveu doze meses subtraindo os dias.  

Na cidade, os rapazes quando completavam dezessete anos desapareciam. Nunca explicaram que destino tinham levado. Aos sessenta os homens regressavam casados. Não havia a certeza se os que chegavam eram os rapazes que tinham partido.

As raparigas sincronizadas com a primeira menstruação deixam de ser crianças. As meninas teimosas, que gostam da infância, escondem. Os rapazes têm um calendário que marca o tempo onde o mistério confunde-se com a morte.

Johanes tinha decidido que não deixaria que outro senão ele, decidisse o seu destino.

Em cima da mesa uma carta explicava a partida:


A morte chama-me com força, querida mamã. Talvez lá, descubra para onde foram todos os outros rapazes.  Não quero regressar aos 60 sem nunca ter sabido para onde me levaram. Os homens daqui parecem cansados, mamã.  Nunca os vi sorrir. Os meninos nascem assustados. Contei todos os dias, dia após dia, como se fossem os degraus que temos de subir para chegar  à Catedral. São tantos, mamã e agora já não me resta um sequer para contar. Tinha uma esperança oculta de quando chegasse este dia, algo mudasse. Para além dos arrepios de frio no meu corpo suado e do medo que cresce a cada minuto, parece que nada mudou. O sr. Elias ainda não acordou para fazer o pão. Vai-se atrasar como sempre.


Já ouço a dona Aurora ralhar com o neto rabugento.  Não fosse este nó no peito, acreditava que hoje poderia ir tranquilamente para a escola. Quem leva daqui os meninos que fazem 17 anos, mamã? Que fé foi a tua que nos impediu de partir e salvar-nos da morte? Quando a Clara crescer, diz-lhe que antecipei o meu destino. Vai-te embora com ela. Deixa que cresça num lugar onde a vida acontece para além dos 17.

Com todo amor, Johanes


Durante alguns meses Johanes roubou o ansiolítico de sua mãe. Sessenta comprimidos o levariam a uma viagem sem regresso.  Com medo da morte, Johanes matava-se. Entre as seis e as oito experimentou a dor da ira. Teimosa a vida resistia. 


Às oito e meia, a mãe chamou por ele. Um silêncio pesado tomou posse do espaço. Ingrid lembrou-se do que queria ter esquecido. Seu filho fazia dezessete anos. Uma criança grande, um adulto pequeno sem tempo. Ingrid encontrou Johanes desfalecido na cama. Na mesa de cabeceira, uma carta de despedida.


Vinte minutos lentos para os enfermeiros aparecerem.


- Ingrid não temos lugar para Johanes...

- Salva meu filho, Batista

- No hospital do Norte só recebem rapazes até os dezesseis . No hospital do Sul, só depois dos sessenta, sabes disso...

- Leva-o para fora da cidade...

- Devias ter pensado nisso antes, Ingrid. Agora é tarde. Johanes está morto.


Os velhos da minha aldeia contam esta história como se fosse verdade. 


Ontem, Iuri tentou o suicídio. Foi levado de ambulância para o hospital mais próximo. Depois de saberem a sua idade, responderam que não o podiam receber. Não havia psiquiatria naquela unidade e Iuri teria de ser levado para outro hospital. Aqui, disseram, só recebemos crianças até aos dezesseis. Iuri tem dezessete.


No telhado do hospital, Iuri uivou.

Ao telefone com a mãe, gemeu cansado:

- Aos dezessete, a morte é mais forte, mamã.



texto e arte de Ethel Feldman

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