- por eduarda salaviza manso -
A meio das tardes de quarta-feira ela preparava o café, arranjava-se e sentava-se na cama em frente à janela, à espera. O cheiro quente do café pairava sobre o minúsculo apartamento, perfumando-o. “Agora, as nossas tardes de amor serão ainda mais quentinhas”, dissera ele num dos primeiros encontros, ao oferecer-lhe uma cafeteira de cerâmica verde. Foi assim ao longo do inverno: todas as quartas-feiras entregavam-se um ao outro, obedecendo a um ritual que não questionavam: ele chegava, bebiam o café, ela sorria, ele dizia-lhe que estava bonita. Depois despiam-se e deitavam-se. Pela hora de jantar ele partia.
Na primavera ele começou a aparecer só de longe a longe, chegava cada vez mais tarde e saía cada vez mais cedo. Mas ela continuou a esperá-lo todas as tardes de quarta-feira: preparava o café, arranjava-se e sentava-se na cama em frente à janela. Depois de uma longa ausência, voltou numa tarde de verão. Não bebeu o café, nem lhe disse que estava bonita. Arrancou-lhe o vestido, atirou-a para cima da cama e começou a entrar e a sair de dentro dela com toda a violência, os seus urros quase abafavam os gritos dela. Pouco depois, saiu de cima dela e adormeceu. Ela deixou-se ficar algum tempo sem se mexer. Então levantou-se, duas gotas de sangue a escorrer pelas pernas. Dirigiu-se à cozinha e voltou ao quarto num ápice. Apanhou o vestido rosa do chão e vestiu-o. Ajeitou o cabelo. Sentou-se na beira da cama com todo o cuidado para que ele não despertasse. Olhou pela janela, à espera. Aos poucos, o cheiro a gás sobrepôs-se ao aroma do café arrefecido na cafeteira de cerâmica verde.
*imagem: “Summer in the city”, Edward Hopper
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